Depois daquela noite em Londres, quando a cidade havia sido bombardeada pelos aviões da Luftwaffe alemã, a Sra. Jones atordoada entre os destroços apenas pensa que é questão de tempo para aquelas bombas atingirem sua casa. A destruição e morte iminentes causam-lhe calafrios. Talvez fosse melhor que a Inglaterra se submetesse logo ao domínio de Hitler para evitar maiores perdas. Ansiosa para saber notícias de como estavam as demais localidades do país, ela liga o rádio.
Escuta então uma voz já familiar, rouca e pausada. Era o primeiro-ministro inglês reproduzindo o seu discurso de horas antes na Câmara dos Comuns: “...e nunca antes no campo dos conflitos humanos, tantos deveram tanto a tão poucos.”
A Sra. Jones então ficou sabendo de como os Spitfires e Hurricanes digladiaram com os ME 109 da Luftwaffe pelos céus da Grã-Bretanha, estando em proporção muito diminuta em relação à força aérea alemã, tanto em número de aviões quanto de pilotos. Os que eram abatidos, que dos céus conflituosos caíam em seus pára-quedas, eram por automóveis resgatados e levados para algum aeródromo próximo onde, rapidamente, embarcavam em outros aviões para retornarem aos acirrados combates aéreos.
A inglesa então se emocionou ao lembrar que doara boa parte de suas panelas para a produção de fuselagem das aeronaves, pois o bloqueio alemão dificultava o acesso à importação de metais. Lembrou-se do relato de alguns amigos judeus que contaram como Hitler estava confinando aquele povo em campos de concentração. Quem iria garantir que ele não faria tal coisa na Inglaterra?
A frase da rainha Elizabeth: “Morrerei com o meu povo.”, ao se negar em partir para o Canadá, num exílio de fuga à ameaça nazista, fez a Sra. Jones se convencer de que era melhor resistir à se entregar. A luta pela Liberdade não tinha preço. E foi nesse pensamento que ela buscava motivação nas palavras daquele homem que falava ao rádio: Winston Churchill, a voz da Resistência.
Durante praticamente dois anos a Inglaterra lutou sozinha contra o poderio alemão. Tivesse ela caído, o mundo atual seria muito diferente do que conhecemos hoje. Churchill, já na década de 30, alertava para a ameaça nazista, sem, contudo, conseguir convencer a maior parte de seus patrícios para o futuro turbulento que os aguardava. Mas foi no período de maior necessidade que nele foi depositada a responsabilidade de comandar a Inglaterra no seu maior desafio, e foi através do rádio que ele conseguiu transformar uma nação desmoralizada num povo de resolução inquebrantável.
Hitler teve seu destino traçado quando atacou a ex-URSS, quebrando o pacto de não-agressão nazi-soviético, e abrindo duas frentes de combate. E também quando o Japão atacou Pearl Harbour, fazendo que os EUA até então neutros no conflito, mesmo ante os pedidos de ajuda de Churchill, entrassem na Segunda Guerra Mundial.
Após a entrada dos EUA ao grupo dos Aliados, Churchill mais uma vez demonstrou-se lúcido e profético: “Ganhamos a guerra!”. Contudo, não fosse a resistência do Reino Unido até aquele momento, não há dúvidas de que o desenrolar da História teria sido completamente diferente.
É interessante notar que muitos até hoje, tentam desqualificar um debatedor por sua classe social. Pois bem, durante a Segunda Guerra Mundial, o líder aristocrático era Churchill, ele fazia parte da elite britânica. Já o líder popular era Hitler, eleito Fuhrer pelo Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. Quem tinha a razão e os ideais mais nobres? O líder aristocrático ou o líder popular?
Churchill, após a guerra anteviu a nova ameaça que estava se formando: o imperialismo soviético. Alertou o então presidente Truman para o novo conflito que se iniciaria e lúcido como sempre, posteriormente declarou: “A Rússia soviética instalou-se no coração da Europa. Este foi um momento fatídico para a Humanidade.” Foi Churchill quem cunhou a expressão “cortina de ferro”, para designar os países que estavam no leste europeu sob o jugo da URSS.
Espantosamente, Churchill perdeu as eleições nacionais subsequentes à Guerra. O rei, logo em seguida, ofereceu-lhe a Ordem da Jarreteira, a mais cobiçada do império britânico. Churchill recusou-a com uma de suas tiradas típicas: "Obrigado, majestade, mas não ficaria bem. O povo acaba de me dar a ordem da botina". Humor sarcástico e espírito democrático.
Winnie (como gostava de ser chamado) ainda viveria mais duas décadas. Voltou a chefiar o gabinete por mais quatro anos (aos 77), ganhou o Nobel de literatura por sua obra História dos Povos de Língua Inglesa. Em 1953, dois anos após ter se elegido novamente primeiro-ministro, aceitou então a Ordem Jarreteira das mãos da jovem rainha Elizabeth II, filha da que ajudou Churchill a elevar a confiança do povo inglês. Winnie agora era um Sir, e a honra era da Inglaterra.
*Excertos de discursos e frases célebres de Winston Churchill:
“...E não creiam que isto seja o fim. É apenas o começo do ajuste de contas. Este é apenas o primeiro gole; a primeira prelibação de uma taça amarga que nos será oferecida ano a ano, a menos que, por uma suprema recuperação da saúde moral e vigor guerreiro, nos reergamos e tomemos posição em defesa da liberdade como nos tempos de outrora.”
“Finalmente eu tinha a autoridade para comandar todo panorama. Sentia-me como se estivesse caminhando com o destino e que toda minha vida passada fora apenas um preparo para esta hora e para esta prova.”
“Eu diria a Câmara o que disse aos que se juntaram a este governo: Nada tenho a oferecer, exceto fadiga, sangue, suor e lágrimas.”
“Iremos até o fim. Lutaremos na França, lutaremos nos mares e oceanos, combateremos com confiança cada vez maior e com crescente poderio nos ares; defenderemos nossa ilha custe o que custar. Combateremos nas praias, combateremos nas pistas de pouso, combateremos nos campos e nas ruas, combateremos nas colinas. Jamais nos renderemos! E mesmo que esta ilha seja subjugada e reduzida à fome, no que não creio um momento sequer, então nosso império de além-mar armado e defendido pela frota britânica, prosseguirá na luta, até que, quando Deus quiser, o Novo Mundo, com toda sua força e seu poderio, se apresente para salvar e libertar o Velho Mundo.”
“A batalha da França está terminada. A batalha da Grã-bretanha está prestes a começar. Dela depende todo nosso modo de vida. Toda fúria e todo vigor do inimigo deverão em pouco tempo ser assestado contra nós. Se fracassarmos, o mundo inteiro cairá no abismo de uma nova era de obscurantismo, tornada ainda mais sinistra, e talvez mais prolongada, pelas luzes de uma ciência pervertida. Portanto, cobremos coragem para cumprir nosso dever e nos comportemos para que, se o Império Britânico e a Comunidade das Nações durarem mil anos, os homens ainda assim possam dizer: Este foi seu momento de glória!”
A banda inglesa Iron Maiden fez uma música chamada Aces High, sobre a batalha da Inglaterra. O vocalista Bruce Dickinson curiosamente é historiador e piloto de avião. No início do clipe há um trecho do famoso discurso de Churchill.