segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Produtor rural, aquele crápula


Assisti pela Internet um programa no qual um professor do Paraná criticava uma campanha publicitária da FAEP, a Federação da Agricultura do Estado do Paraná, na qual veicularam a seguinte frase : “Se você se alimentou hoje, agradeça a um produtor rural”. A justificativa do professor era de que os produtores não produziam simplesmente para matar a fome de ninguém, mas sim para poder prover a si mesmos com o lucro gerado por um produto, no caso qualquer alimento ou produto agrícola por eles comercializados.

O professor em tese está certo, e por ser professor de História Econômica tenho certeza que se baseou em Adam Smith, que disse a célebre frase “Não é da benevolência do açougueiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses”. Corretíssimo.

Embora eu considere a produção de alimentos uma atividade nobre em si, ela é uma atividade capitalista que precisa ser economicamente viável para prosperar. Contanto o mesmo professor há de convir que no Brasil a inversão de valores e a deturpação de conceitos chegaram a tal ponto que a campanha da FAEP se justifica e muito. Digo isso pelo fato do produtor rural ser visto por uma parcela da sociedade de uma maneira que já não faz parte da época em que vivemos.

Já há algum tempo certos “formadores de opinião” querem infligir uma pecha aos produtores rurais que consiste mais ou menos no seguinte: Não importa o tamanho da sua propriedade rural, se foi fruto de herança ou se foi comprada, não importa o que você produza, você é um latifundiário. Sim, e se você não é um latifundiário explorador da mão de obra alheia, você é um devastador da Natureza. E se você não é devastador da Natureza provavelmente você será um latifundiário improdutivo.

Tais idéias beócias devem-se a inúmeras falácias que foram sendo repetidas e “colando” numa parte do senso comum. Não vou elencá-las agora para não me alongar, talvez fosse o caso de outro texto. Dessa forma analisarei apenas o pensamento deturpado que citei no parágrafo anterior.

Primeiro, o conceito de latifúndio degenerou-se (em definição seria área superior a 600 módulos rurais, em geral superando 10 mil hectares conforme a região). Existem pequenas, médias e grandes propriedades. A tendência que se observa é a da terra ser naturalmente dividida entre os herdeiros, tornando as fazendas menores com o tempo. Para pequeno efeito de comparação saliento que o Brasil possui uma área média de propriedade rural menor que a dos EUA e da Austrália.

Mas e uma grande propriedade, qual o problema com ela? Então consideraremos uma montadora de automóveis como um latifúndio automotivo, uma grande rede de lojas populares um latifúndio comercial, uma grande rede de varejo sendo um latifúndio varejista, e por aí vai. E teremos desapreço pelos seus proprietários por serem “latifundiários” mesmo que não-rurais?

Outra coisa, se dissermos que uma propriedade é improdutiva, do que seus donos vivem? Qual a vantagem em se possuir uma propriedade e não usufruir economicamente dela? Será que o tal proprietário não gosta de dinheiro? O próprio presidente do Incra admitiu recentemente que não existem mais propriedades improdutivas no Centro-Sul do Brasil. E reitero, já não existem mais esses tais latifúndios improdutivos há muito tempo mesmo.

Quanto à pecha de explorador considero pior ainda. O assalariado rural médio não recebe muito, é verdade. Sua remuneração fica em torno de 1 a 2,5 salários mínimos. Mas se alguém tem algum emprego melhor para uma pessoa de baixa escolaridade, em geral analfabeta ou no máximo com primeiro grau completo e num local onde ela vai ter moradia sem pagar aluguel, tem leite (não adulterado!) de graça, luz, água encanada e carne subsidiadas (quando não são de graça também) e a possibilidade de se alimentar com frutas e verduras que cultivar, então fique a vontade para ir às fazendas e tentar tirar de lá os funcionários do campo. Vale a pena lembrar que o salário mínimo rural é há muitos anos aproximadamente 10% superior ao mínimo da cidade.

Na parte ambiental é inegável que houveram danos ao meio ambiente, principalmente pela falta de conhecimento, em especial no manejo de solo e da pastagem, ao adentrarmos o Cerrado para nele produzirmos. Porém considero o panorama mais estável hoje, mas sem dúvida não podemos deixar de atentar para a questão ambiental.

Abro um parêntese nesse ponto para comentar uma situação kafkaniana ocorrida este ano. O Incra desapropriou uma fazenda em Selvíria - MS por excesso de reserva legal! Isso mesmo, a proprietária querendo cumprir mais do que a lei ambiental pedia, deixando mais de 20% da sua área com vegetação intocada teve a fazenda considerada improdutiva e posta em processo de desapropriação. O mais interessante é que quem acompanha o meio rural sabe que na atualidade boa parte das agressões ao meio ambiente são produzidas pela ocupação humana proveniente dos assentamentos rurais.

Ao escrever este texto não tive a intenção enaltecer o produtor rural. Como produtor e técnico também tenho críticas à área da qual faço parte, mas quis fazer justiça e elucidar o porquê de certas coisas. Falácias são perigosas, ainda mais quando tendem a jogar a opinião pública contra um setor que além de produzir alimentos e demais produtos que geram empregos e alavancam o desenvolvimento é responsável por mais de 30% do PIB nacional.

Sei também que muitos não possuem a tal visão deturpada de que falei. Aliás, uns ainda consideram o produtor como uma pessoa de alto poder aquisitivo, “rica”, embora no triênio 2004-2006 tenhamos passado por uma grande crise sendo descapitalizados ou contraindo dívidas, e muitos simplesmente se mantiveram na atividade por não viverem exclusivamente dela.

Realmente, há pessoas que acham que os produtores rurais são privilegiados, talvez até mesmo o referido professor considere isso. Esquece ele que como funcionário público o que dá condições de sustentar seu salário são os impostos frutos da economia do Estado, em muito baseada no agronegócio. Será que a FAEP vai ter que fazer uma campanha publicitária para lembrá-lo disso também?