terça-feira, 1 de abril de 2008

1964, a mitologia persiste


Do debate, que quase não há, diga-se de passagem, sobre o golpe (ou contra-golpe como alguns o chamam) de 64, filtra-se a necessidade e o respeito à democracia. A ditadura acabou, ainda bem. Contudo, devemos ser mais argutos e informados sobre o tema para não cairmos em mistificações.

Muitos tentam esvaziar a tese da ameaça comunista, dizendo que foi uma desculpa para a tomada do poder. O caso não é tão simples assim. A ameaça comunista não era tão tênue e um golpe de Estado parecia surgir tanto de um lado quanto de outro. Se não viesse a tal ditadura do proletariado (eufemismo para ditadura comunista) talvez viesse uma reedição do Estado Novo populista (ao invés de Getúlio teríamos João Goulart). Goulart também poderia ser o Kerensky brasileiro, que seria mais tarde engolido pelos radicais bolchevistas.

Não é fácil dizer que caminho tomaríamos, mas o cenário brasileiro e mundial estava muito conturbado naqueles anos de Guerra Fria. Quem, na época, colocaria a mão no fogo por um governante que visitava com admiração a China comunista de Mao Tsé-tung entre outros tantos acenos ao socialismo? O próprio Luis Carlos Prestes, comunista ligado ao Komintern de Moscou e arquiteto da Intentona Comunista de 35, declarou em março de 1964: “Estamos no governo, mas ainda não temos o Poder”.

A classe média reagiu contra a radicalização dos gestos do governo. A Marcha da Família com Deus e pela Liberdade ocorrida em São Paulo, com um público participante estimado em 600 mil pessoas e que depois se espalhou em mais cidades do Brasil foram as maiores manifestações de repúdio ao caos social anunciado pelo governo de João Goulart.

A famosa Revolta dos Marinheiros foi como uma gota num copo d’água lotado. O cabo Anselmo liderou a revolta, sendo o almirante Sílvio Mota, ministro da Marinha, demitido por tentar reprimi-lo. Jango então nomeou para seu lugar o almirante Paulo Mário da Cunha Rodrigues, próximo ao Partido Comunista. A lembrança da Intentona Comunista de 35 na qual militares adeptos do comunismo pegaram em armas e assassinaram companheiros que estavam dormindo se reacendeu nas Forças Armadas, sem falar na evidente quebra da hierarquia militar realizada por Jango.

Por três vezes anteriores ao fato citado,os militares avisaram Jango que não aceitariam desmandos de ordem subversiva. A revista Cruzeiro estampou a foto de Jango após a intervenção militar, com os dizeres: "Caiu de burro".

Eis o contexto do “golpe” de 64, levando-se em conta o cenário internacional da Guerra Fria, principalmente se lembrarmos que havia menos de 3 anos que Fidel pusera-se a favor da URSS.

A ditadura deveria ter acabado antes, sem dúvida. Até Carlos Lacerda e outros tantos que apoiaram a deposição de Jango foram isolados da vida política e depois foram contra o regime militar. A democracia deveria ter vindo já em 1965 ou 1970, mesmo apesar dos guerrilheiros que lutavam não por democracia, mas sim por uma ditadura do proletariado, aos moldes cubanos ou soviéticos, ambas genocidas e totalitárias. Quem tiver dúvidas disso leia “A ditadura envergonhada” de Elio Gaspari.

Jango, Brizola, Arraes e outros podiam não ser comunistas de carteirinha, mas Fidel Castro também não declarava abertamente sua ideologia quando entrou em Havana em 1959.O regime cubano, tão adorado pelos inimigos mais ortodoxos da ditadura brasileira, é responsável por 17 mil mortos. No Brasil morreram 424 pessoas (incluindo guerrilheiros que foram mortos pelos próprios companheiros, os famigerados justiçamentos, tudo em nome da "causa" e do humanismo esquerdista). Nas mesmas proporções, seria admitir que se os inimigos iniciais dos militares de 64 tivessem tomado o poder teríamos mais de 200 mil mortos no período. Parece muito, mas perto dos 100 milhões de mortos do comunismo, a soma não é tão exagerada assim.

Enfim, este tema pode render muitas páginas de texto ou horas de discussão, não é num artigo que se esgota o assunto, há vários nuances a serem abordados. Volto ao início. A democracia se restabeleceu e a saudemos. Só não podemos ser pueris de considerar que havia uma luta do Bem contra o Mal, ou vice-versa. Quem acha que houve isso está se escorando na ignorância e na ingenuidade.


artigo de Rodrigo Constantino que dá boas informações acerca do cenário e fatos que motivaram a deposição de João Goulart:
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2006/12/viva-o-terrorismo.html