domingo, 1 de junho de 2008

Um novo filme sobre os laços nazi-soviéticos

Ter sua efígie queimada nas ruas de Moscou por gorilas nacionalistas deve contar como uma espécie de Oscar caso você seja um cineasta letão cujo objetivo é expor a cegueira da Rússia moderna em relação à história criminosa da União Soviética. A ira do protesto organizado semana passada pelo grupo Jovem Rússia em frente à embaixada da Letônia era dirigida contra Edvins Snore, cujo filme “História Soviética” é o mais poderoso antídoto já produzido contra a tentativa de se criar um passado asséptico.

O filme é emocionante, audacioso e nem um pouco condescendente. Embora comece narrando a história do assassinato de 7 milhões de ucranianos em 1933, ele não é um mero catálogo de atrocidades. O principal objetivo do filme é mostrar as conexões íntimas – filosóficas, políticas e organizacionais – entre os sistemas nazista e soviético.

Conforme Françoise Thom (uma dos muitos luminares anti-comunistas que aparecem no filme) explica: “O Nazismo baseava-se na falsa biologia; o Marxismo baseava-se na falsa sociologia”. O sonho marxista do “homem novo”, por exemplo, espelhava a idéia nazista da superioridade racial. Os nazistas matavam principalmente com base em fundamentos raciais, enquanto os soviéticos matavam com base na classe social. Mas assassinato em massa é assassinato em massa.

Aqueles que ainda mantém uma certa queda pelo marxismo podem levar um susto ao ouvir que o sábio de Highgate referiu-se às sociedades menos desenvolvidas como Völkerabfälle (lixo racial) que deve “perecer no holocausto revolucionário”. Ou que o Partido Nazista, em seus primórdios, idolatrava Lênin (Joseph Goebbels disse que ele só perdia para Hitler em grandeza).

Aquela que talvez seja a melhor seqüência do filme mostra pares de pôsteres com desenhos praticamente idênticos: trabalhadores musculosos em poses heróicas apóiam o Partido e o Estado, menininhas louras sorriem alegremente, punhos esmagam inimigos, martelos arrebentam correntes. Sem a suástica e a foice e o martelo, seria dificílimo saber qual é qual.

A demonstração do Pacto Molotov-Ribbentrop é convincente: operadores de rádio soviéticos guiaram os bombardeiros alemães em seus ataques à Polônia. Uma base naval soviética perto de Murmansk auxiliou o ataque nazista à Noruega. A polícia secreta soviética ajudou a treinar a Gestapo e discutiu sobre como lidar com a “questão judaica” na Polônia ocupada.

A cooperação baseava-se num acordo escrito – completo com a assinatura de Lavrenty Beria, chefe da notória NKVD – que é mostrado no filme. “A NKVD proporá ao governo soviético um programa para reduzir a participação de judeus nos órgãos de estado e para proibir judeus e descendentes judeus de casamentos mistos nas áreas de cultura e educação”, lê-se na tétrica frase final. A Rússia alega que o documento é falso.

Imagens de arquivo bastante fortes mostram oficiais do Exército Vermelho brindando com seus colegas da SS em Berlim no mês de dezembro de 1939. Em 1940, a União Soviética tornara-se uma gigantesca fornecedora de grãos e petróleo para a máquina de guerra nazista, ao mesmo tempo em que encorajava os partidos comunistas da Europa Ocidental a sabotar a resistência antinazista.

“É reconfortante ver trabalhadores parisienses conversando com soldados alemães como amigos”, gabava-se uma publicação comunista francesa em julho de 1940. Vyacheslav Molotov, que era então o Ministro do Exterior da União Soviética, chamou a luta contra o Nazismo de “crime”. Junto a pronunciamentos similares, isso foi publicado em todos os jornais soviéticos. Essas páginas foram rapidamente removidas após a traição de Hitler.

Algo muito semelhante aconteceu no Ocidente. Criminosos de guerra nazistas são abominados; seus similares soviéticos são considerados honrados veteranos até hoje. Qualquer tentativa de trazê-los à justiça desperta protestos raivosos da Rússia. “Tirem as mãos dos nossos avôs”, era o slogan cantado pelos militantes da Jovem Rússia. Uma questão melhor seria: “O que aconteceu exatamente?”

O Sr. Snore e seus patrocinadores no Parlamento Europeu produziram uma obra agudamente provocativa. Seu tom, sua técnica e sua composição estão abertos a críticas. Mas aqueles que querem bani-lo deveriam tentar refutá-lo antes.

http://nemersonlavoura.blogspot.com/2008/05/gmeos-totalitrios.html