Tomei emprestado o título da comentada obra de Karl Popper para nomear também este artigo. No livro de Popper analisa-se a migração da cultura humana do regime tribal para o regime aberto. O que seria isto? Basicamente na primeira, há uma submissão da cultura às forças mágicas, mitos e tradições coletivistas, enquanto a última põe em liberdade as faculdades críticas e racionais do homem.
Na Guerra do Peloponeso, entre Esparta e Atenas, Popper encontra o berço dessa transição, com os espartanos representando a vida tribal e os atenienses esboçando uma abertura ao indivíduo livre e racional.
Entre os princípios da política espartana estavam a proteção contra as influências estrangeiras que pudessem pôr em perigo a rigidez dos tabus tribais, a independência ao comércio externo e o anti-universalismo de não se misturar com outras culturas. Em Atenas, ao contrário, vários pensadores já defendiam os pilares básicos da sociedade aberta, com uma nova fé na razão, na liberdade, na troca de conhecimento e na fraternidade dos homens.
Esparta representava uma sociedade fechada em si mesma, já Atenas se propunha ser uma sociedade aberta à interação entre as diversas culturas. Para Popper, a transição da sociedade fechada para a aberta pode ser descrita como uma das mais profundas revoluções por que passou a humanidade.
Escrevi estes parágrafos, baseados na ótima análise que Rodrigo Constantino fez da obra de Karl Popper, apenas para fazer um paralelo com o que estamos enfrentando no Mato Grosso do Sul, neste caso das demarcações de terra e explicitar o que pensam os antropólogos e a FUNAI.
Estes que citei são pautados por algo chamado “relativismo cultural” uma visão na qual não se classificam as diversas culturas como sendo superioras ou inferioras, mas apenas como diferentes entre si. Parece ser muito bonito e justo, mas isto esconde grandes equívocos.
Ao não se conduzirem pela coerência e bom-senso, os profissionais optam por deixar os índios como membros indeléveis da sociedade fechada, mais por vontade dos profissionais do que dos próprios índios. Além de chegarem a ser coniventes com o infanticídio que algumas tribos praticam no Brasil, entre outros absurdos.
Imaginem, talvez não devêssemos ensinar hábitos de higiene aos índios “para não prejudicar sua cultura”. Parece brincadeira, mas certos profissionais agem por vezes de forma análoga. Os inimigos da sociedade aberta não são os índios, são alguns brancos que os ladeiam.
Apenas vou ilustrar como se originou o relativismo cultural ou multiculturalismo: Durante o tempo do Império Britânico, pensadores ingleses entraram em contato com muitas outras culturas, se interessaram por elas e passaram a estudá-las. Tais pensadores tomaram como premissa, não supor a princípio que qualquer cultura fosse inferior à deles mesmos, para agirem livres de preconceitos.
Posteriormente alguns profissionais transformaram tal hipótese de trabalho (igualdade do valor das culturas) em verdade incontestável, agindo como bitolados diante de um dogma. Deste radicalismo surgiu o erro. Respeitar uma cultura, não deve ser sinônimo de mantê-la isolada e estanque.
As sociedades abertas são um passo à frente dentro da civilização. Manter os índios como bibelôs, querendo que eles vivam como seus antepassados de 100, 200, mil anos atrás, é um contra senso. Nós mesmos não vivemos como nossos pais, que não viveram como os pais deles. A cultura é algo dinâmico e mutável.
Mais do que qualquer coisa e sobretudo, os índios são seres humanos, como eu, como você. Num país miscigenado como o nosso, praticar uma separação ferrenha de hábitos e culturas, como desejam alguns antropólogos, é irreal e ineficiente.
Entendo que também possa haver um certo pensamento comum de que o índio sempre se prejudicou quando entrou em contato com a nossa cultura, que o desejo de possuir os mesmos bens e produtos que os brancos foi algo pernicioso e negativo para os índios.
Não penso dessa forma. Se no passado houveram problemas, acredito que hoje os indígenas têm o potencial de usufruir mais qualidade de vida do que jamais tiveram. Perguntem se durante o inverno eles preferem tomar banho num rio gelado ou uma ducha quente. O exemplo parece ser simplista, mas pode-se listar uma série de coisas do gênero.
E mesmo nós tivemos boas e más influências advindas dos indígenas. Se por um lado adquiriu-se o insalubre hábito do tabagismo dos índios norte-americanos, por outro adquirimos o sociável hábito do consumo da erva-mate, presente no chimarrão gaúcho e no tereré sul-matogrossense.
Ah, Karl Popper também fez uma crítica contundente de Hegel e Marx, dois expoentes máximos de nossos meios acadêmicos, e que explicam em muito as atitudes e opiniões oriundas dos profissionais de certas áreas de Humanas que estão em contato com os índios. Mas isto é assunto para outro texto.
Por enquanto apenas saúdo a sociedade aberta. Eu sou seu amigo.
Obs: Imagem do afresco de Rafael, denominado "A Escola de Atenas"